Por Paulo Hayes
in REVISTA PROGREDIR |MAIO 2019
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Podemos talvez compreender intelectualmente o conceito de alma. No entanto, a vivência do sentimento do Si, que é um momento ímpar na autorreflexividade do Ser, não é explicável à luz de conceitos científicos pois Alma é uma realidade não empírica.
A “corrida à Alma”[2], no Ocidente, passou pela utilização de modificadores dos estados de consciência. A utilização de alucinogénios que abrem o espírito, os processos devocionais e religiosos, ou as técnicas do desenvolvimento pessoal, algumas delas metamorfoseadas da sua origem cultural Oriental, permitiram aos indivíduos o contacto com estados modificados de consciência.
Alma e Espírito poderão significar a mesma realidade, ou serem substancialmente diferentes, conforme a construção das mundivisões individuais. Para o Budismo, por exemplo, acredita-se na vida no além, mas não na ideia de uma Alma individual. No entanto, para as filosofias ortodoxas indianas existe a crença generalizada de que o indivíduo espiritualmente realizado – Ātman - é igual ao Paramātmān ou Espírito Universal.
No âmbito das filosofias da Índia, o yoga assume uma componente eminentemente prática na busca do princípio espiritual. O yoga clássico é estruturado pela cosmovisão Sāṁkhya. Como filosofia dual, as escrituras do yoga clássico referem o espírito e a matéria, o puruṣa e a prakṛti. Todos os seres humanos, de acordo com o yoga, têm uma Alma não percetível pelos órgãos dos sentidos.
Do ponto de vista ontológico, a vida na matéria desenvolve-se de acordo com princípios inteligentes. O Cosmo está hierarquicamente organizado e o ser humano é parte integrante dessa harmonia universal. A incapacidade temporária dos indivíduos se conectarem com o princípio espiritual é derivada do desejo e do apego pela vida material. O livro indiano Bhagavad-Gītā, nos versos 3.36 e seguintes, esclarece que são a paixão e a cobiça que escondem o princípio espiritual, tal como o fumo esconde o fogo.
Em muitas tradições filosóficas e religiosas a Alma está inequivocamente ligada às ideias da existência da vida no além e de um criador. Os sistemas de yoga também são teístas. O yoga clássico, por exemplo, refere-se a Īśvara como a primeira das Almas, mas não lhe reconhece demasiada importância. Īśvara poderá ser apenas uma técnica de meditação.
As caraterísticas da Alma ou Espírito são importantes. Acredita-se que a Alma é eterna, omnipresente e omnisciente. Os adeptos creem que o espírito renasce no corpo e, vida após vida, vai ganhando consciência da essência espiritual de toda a criação.
A maioria das religiões e filosofias espirituais inclui a busca pelo sagrado que, através das hierofanias, medeia o acesso à Alma. Esta ingressa na categoria do sagrado enquanto que o corpo é considerado profano e, por vezes, fonte do pecado.
No entanto, para a cosmovisão do sāṁkhyayoga, o paradigma é diferente: a dicotomia sagrado/profano apresenta-se na dualidade espírito/matéria. O corpo e a mente são matéria e desaparecem com a morte, seguem o ciclo da natureza pois têm uma origem e um fim. Já a Alma, ou Espírito, é intemporal. Por outro lado, o sāṁkhyayoga reconhece a pluralidade das almas. A hierarquia entre elas explica-se pelo grau de autoconsciência de cada um dos espíritos e baseia-se em argumentação diversa[3].
De acordo com o texto Sāṁkhyakārikā, obra nuclear na tradição do sāṁkhya clássico, reconhecem-se três tipos de sofrimento: interno, externo, celestial. Todos os seres humanos desejam a libertação do sofrimento e o contato com a realidade intemporal da Alma e, segundo alguns comentadores, essa realidade é permanentemente feliz. A Alma é eternamente feliz porque quem sofre é o agregado corpo-mente.
Cabe uma palavra final ao yoga moderno. Embora muitos praticantes inicialmente se interessem apenas pelo exercício físico (posturas), ou pela dimensão terapêutica que as práticas de yoga proporcionam, estudos diversos indicam que o percurso yoguico termina no conhecimento do Self, isto é, da própria Alma. O autoconhecimento e a transcendência subjetiva modificam padrões de comportamento e estilos de vida, por vezes desequilibrados, e proporcionam uma felicidade independente da existência material. Essa felicidade é o nosso bem supremo, mais elevado, que permite à Alma individual o acesso às hierarquias do Cosmo estruturado.
[1] Dicionário de língua Portuguesa, 2015. Porto: Porto Editora.
[2] Pauwels, L. & Feller, J. (1989). O livro dos poderes do espírito. Lisboa: Círculo de Leitores.
[3] Saraswati, N.(2008). Samkhya Darshan: Yogic Perspective on Theories of Realism. Bihar, Yoga Publications Trust.
DOCENTE NA UNIVERSIDADE LUSÓFONA
FORMADOR DE YOGA E MEDITAÇÃO
www.paulohayes.com
in REVISTA PROGREDIR |MAIO 2019
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