Entrevista a Beatriz Quintella
"A vida é o que acontece enquanto fazemos planos!"

A viver em Portugal há 22 anos, Beatriz Quintella criou há uma década a Operação Nariz Vermelho. Nos hospitais portugueses, os Doutores Palhaços fazem rir as crianças e os pais, levando a acreditar que a esperança é mesmo a última a morrer. À Revista Progredir, a atriz e doutora palhaça por vocação lembra que nunca é tarde para começar de novo. Entrevista por Sofia Frazoa
PROGREDIR: Como é que os Doutores Palhaços conseguem pôr uma criança internada num hospital a rir com eles?
Beatriz Quintella: Importante ter usado a palavra “com” porque um palhaço não está num hospital para rir “de”. Ele está no hospital para que as pessoas se riam dele e para que as pessoas riam com ele. É muito fácil porque uma criança ri à toa. Mesmo doente, ela está pronta para tudo. Difícil é fazer um adulto rir, mas também ri.
PROGREDIR: Quando começou com a Operação Nariz Vermelho, há dez anos, idealizava chegar aqui?
Beatriz Quintella: Quando saímos, não sabemos para onde vamos. Saí do Brasil há 22 anos para passar seis meses fora do país. Nunca mais voltei. A vida é o que acontece enquanto fazemos planos. Não esperava chegar aqui, mas aqui está muito bom. Gosto e tenho muito orgulho na Operação Nariz Vermelho. Desejo mais dez anos de trabalho e saúde.
PROGREDIR: Os portugueses estão mais tristes do que há 22 anos?
Beatriz Quintella: Este é o país do fado. Falta de dinheiro é uma coisa muito triste e normalmente dá uma tendência para a pessoa deprimir, mas sabe que nos espaços onde eu trabalho, que são os hospitais, falta de dinheiro não é preocupação. Quando se tem falta de saúde, a falta de dinheiro passa a ser muito secundária. Então, nos espaços do hospital, sentimos isso. Os enfermeiros estão mais sobrecarregados de trabalho e isso faz diferença. Eu gosto muito de Portugal e acho que é só uma fase. Já passa.

PROGREDIR: O que precisamos de fazer
para rir mais e enfrentar esta fase?
Beatriz Quintella: Dizem que quando Deus criou o homem, os outros animais só não riram por respeito. Então, o que podemos fazer mais? Sentir, ser humano e muito ridículo. Começa com dizer “bom dia” logo de manhã. Experimente dizer “bom dia” a um vizinho e veja o que acontece. Acho que começa nos pequenos gestos.
PROGREDIR: Hoje em dia, ainda sente o mesmo quando entra num hospital?
Beatriz Quintella: O mesmo. Muito forte, muita emoção, muita transformação do ambiente. Um dever profundo de que a missão que temos é muito importante.
PROGREDIR: Há algum momento que guarde como mais marcante, quer pelo aspeto mais triste quer pelo mais alegre?
Beatriz Quintella: Ontem! Eu tenho uma memória muito curta. Só me lembro de ontem. Todos os momentos são marcantes, são pequenos momentos. É muito interessante porque do que eu me lembro, às vezes, não é do que as pessoas se lembram. Às vezes as pessoas dizem-me: você um dia esteve lá e fez isso, lembra-se? Não me lembro. E marquei a vida delas e não sei. E elas marcaram a minha de outra forma.
PROGREDIR: Os pais ainda estão mais tristes do que as crianças?
Beatriz Quintella: A criança muitas vezes não sabe o que lhe está a acontecer. Muitas vezes são os pais a precisar mais. Queria saber quem é que disse que, quando fazemos 18 anos, não precisamos mais de carinho. Todas as pessoas, até ao fim, precisam de atenção, amor e carinho. E, então, estamos no hospital para quem precisa.
PROGREDIR: Há alguma das alas do hospital em que seja mais difícil trabalhar?
Beatriz Quintella: Quanto mais crónica a doença, mais a nossa presença se torna importante. Passamos a fazer parte do dia-a-dia de crianças que ficam muito tempo no hospital. Por outro lado, a doença aguda tem um trauma muito grande. A criança, de repente, fica doente e aquilo é muito traumatizante. Então, agimos em níveis diferentes, em doenças diferentes. Quanto mais grave, mais necessária é a nossa presença.
Beatriz Quintella: Dizem que quando Deus criou o homem, os outros animais só não riram por respeito. Então, o que podemos fazer mais? Sentir, ser humano e muito ridículo. Começa com dizer “bom dia” logo de manhã. Experimente dizer “bom dia” a um vizinho e veja o que acontece. Acho que começa nos pequenos gestos.
PROGREDIR: Hoje em dia, ainda sente o mesmo quando entra num hospital?
Beatriz Quintella: O mesmo. Muito forte, muita emoção, muita transformação do ambiente. Um dever profundo de que a missão que temos é muito importante.
PROGREDIR: Há algum momento que guarde como mais marcante, quer pelo aspeto mais triste quer pelo mais alegre?
Beatriz Quintella: Ontem! Eu tenho uma memória muito curta. Só me lembro de ontem. Todos os momentos são marcantes, são pequenos momentos. É muito interessante porque do que eu me lembro, às vezes, não é do que as pessoas se lembram. Às vezes as pessoas dizem-me: você um dia esteve lá e fez isso, lembra-se? Não me lembro. E marquei a vida delas e não sei. E elas marcaram a minha de outra forma.
PROGREDIR: Os pais ainda estão mais tristes do que as crianças?
Beatriz Quintella: A criança muitas vezes não sabe o que lhe está a acontecer. Muitas vezes são os pais a precisar mais. Queria saber quem é que disse que, quando fazemos 18 anos, não precisamos mais de carinho. Todas as pessoas, até ao fim, precisam de atenção, amor e carinho. E, então, estamos no hospital para quem precisa.
PROGREDIR: Há alguma das alas do hospital em que seja mais difícil trabalhar?
Beatriz Quintella: Quanto mais crónica a doença, mais a nossa presença se torna importante. Passamos a fazer parte do dia-a-dia de crianças que ficam muito tempo no hospital. Por outro lado, a doença aguda tem um trauma muito grande. A criança, de repente, fica doente e aquilo é muito traumatizante. Então, agimos em níveis diferentes, em doenças diferentes. Quanto mais grave, mais necessária é a nossa presença.

PROGREDIR: Os Doutores Palhaços lidam
com casos de fim de vida, mas sentem que também podem trazer alguma esperança e
algum novo começo à vida daquelas crianças?
Beatriz Quintella: Às vezes as crianças têm diagnósticos de doenças que são terminais. São diagnósticos de que não há uma saída, então a esperança, apesar de ser muito importante, tem um dia em que passa a ser o sentimento possível. Mas aí, você passa a ter esperança de outra coisa. Passa a ter esperança que a criança descanse logo porque está a sofrer muito. Passa a ter esperança de que a memória da criança vá viver sempre no seu coração. Então, acho que, literalmente, a esperança é a última que morre. A esperança é muito teimosa e os palhaços trazem esperança iluminando e trazendo vida, até para lugares onde a morte está presente. Mas a morte faz parte da vida, temos de parar de ter medo dela.
PROGREDIR: Como é, para um Doutor Palhaço, chegar ao hospital no dia seguinte e aquela criança já não estar lá?
Beatriz Quintella: É como para todos os profissionais de saúde. Muito triste. Mas as outras crianças que ficaram precisam de nós. A vida é muito teimosa e continua. É muito duro, muito triste e fazemos um luto interior. O palhaço costuma dizer que faz um luto e vai à luta.
PROGREDIR: Quando têm de entrar com máscaras hospitalares, por exemplo, nas unidades de queimados, como é que se consegue transmitir o mesmo só com os olhos?
Beatriz Quintella: Também usamos o nariz vermelho, mas ser palhaço não é uma máscara de Carnaval. O estado de espírito é uma forma de pensar diferente. Então, não é a máscara que faz um palhaço, é mesmo o treino interno. Aí é só ligar o botão, a inteligência, e o palhaço entra.
PROGREDIR: Todas as pessoas têm a capacidade de ir buscar esse palhaço dentro delas?
Beatriz Quintella: Todas as pessoas têm capacidade de ir buscar o palhaço, mas um treino exige técnica, trabalho, ensaio e muita disciplina para se fazer isto de forma profissional. É quase um desporto de alto nível. Ninguém pode ver que o palhaço está a fazer um esforço para as pessoas rirem. A nossa técnica é invisível.
PROGREDIR: Mas também têm um workshop destinado a público não profissional. É para despertar o palhaço interior de cada um?
Beatriz Quintella: Exatamente. É um outro sentido de palhaço. Esse workshop é para aprender a lição do palhaço, que é o ser humano que tem a experiência, o erro, a oportunidade de ser criativo, a capacidade de manter a criança dentro do seu coração. Tudo isto são as lições que o palhaço tem para ensinar.
Beatriz Quintella: Às vezes as crianças têm diagnósticos de doenças que são terminais. São diagnósticos de que não há uma saída, então a esperança, apesar de ser muito importante, tem um dia em que passa a ser o sentimento possível. Mas aí, você passa a ter esperança de outra coisa. Passa a ter esperança que a criança descanse logo porque está a sofrer muito. Passa a ter esperança de que a memória da criança vá viver sempre no seu coração. Então, acho que, literalmente, a esperança é a última que morre. A esperança é muito teimosa e os palhaços trazem esperança iluminando e trazendo vida, até para lugares onde a morte está presente. Mas a morte faz parte da vida, temos de parar de ter medo dela.
PROGREDIR: Como é, para um Doutor Palhaço, chegar ao hospital no dia seguinte e aquela criança já não estar lá?
Beatriz Quintella: É como para todos os profissionais de saúde. Muito triste. Mas as outras crianças que ficaram precisam de nós. A vida é muito teimosa e continua. É muito duro, muito triste e fazemos um luto interior. O palhaço costuma dizer que faz um luto e vai à luta.
PROGREDIR: Quando têm de entrar com máscaras hospitalares, por exemplo, nas unidades de queimados, como é que se consegue transmitir o mesmo só com os olhos?
Beatriz Quintella: Também usamos o nariz vermelho, mas ser palhaço não é uma máscara de Carnaval. O estado de espírito é uma forma de pensar diferente. Então, não é a máscara que faz um palhaço, é mesmo o treino interno. Aí é só ligar o botão, a inteligência, e o palhaço entra.
PROGREDIR: Todas as pessoas têm a capacidade de ir buscar esse palhaço dentro delas?
Beatriz Quintella: Todas as pessoas têm capacidade de ir buscar o palhaço, mas um treino exige técnica, trabalho, ensaio e muita disciplina para se fazer isto de forma profissional. É quase um desporto de alto nível. Ninguém pode ver que o palhaço está a fazer um esforço para as pessoas rirem. A nossa técnica é invisível.
PROGREDIR: Mas também têm um workshop destinado a público não profissional. É para despertar o palhaço interior de cada um?
Beatriz Quintella: Exatamente. É um outro sentido de palhaço. Esse workshop é para aprender a lição do palhaço, que é o ser humano que tem a experiência, o erro, a oportunidade de ser criativo, a capacidade de manter a criança dentro do seu coração. Tudo isto são as lições que o palhaço tem para ensinar.

PROGREDIR: Além dos hospitais onde é que
gostaria de alargar este trabalho de Doutor Palhaço?
Beatriz Quintella: Queremos agora levar os palhaços a adultos com demência porque a máscara do palhaço tem um poder muito grande. Na Europa já estão a usar o palhaço com os idosos e eu gostava de levar os palhaços também à população envelhecida. É uma população para a qual ninguém quer olhar porque a criança tem futuro, então queremos ajudar a criança, mas o idoso não tem. Eu digo sempre que ri melhor quem ri por último.
PROGREDIR: A Beatriz também tem trabalhado para a Fundação do Gil e para o Estabelecimento Prisional de Tires. Qual é a diferença destes trabalhos comparando com os hospitais?
Beatriz Quintella: Não é muito. Por acaso já não tenho trabalhado tanto com o Gil quanto eu gostaria, mas trabalho no Gil como trabalho com a criança hospitalizada. A prisioneira cometeu um crime no passado, mas no presente é uma pessoa e o futuro ninguém sabe. Então, tal como com a criança, não quero saber exatamente qual é a doença e o que a levou para dentro do hospital, e o futuro da criança também não interessa, eu vivo o presente. O palhaço vive o momento presente e, no momento presente, aquela mulher merece respeito, atenção, carinho, como as crianças. Nunca pergunto o que fizeram.
PROGREDIR: Que projetos já estão definidos para a Operação Nariz Vermelho agora em 2013?
Beatriz Quintella: Vamos para o Hospital de Santa Marta. São crianças cardíacas, que têm internamentos complexos.
PROGREDIR: Qual é a sugestão da Doutora Palhaça para começar bem um novo ano?
Beatriz Quintella: Exercício físico. Acho importante que quem estiver ocioso vá andar à beira-mar para limpar a cabeça. Menos computador, mais amor. E narizes vermelhos espalhados por Portugal, para quem precisa. Alegria e saúde, menos horas para os profissionais de saúde, também. Para Progredir? Um novo começo é todos os dias. Está a respirar, está de pé, está com saúde, então que as pessoas valorizem a saúde e partam para outra.
Beatriz Quintella: Queremos agora levar os palhaços a adultos com demência porque a máscara do palhaço tem um poder muito grande. Na Europa já estão a usar o palhaço com os idosos e eu gostava de levar os palhaços também à população envelhecida. É uma população para a qual ninguém quer olhar porque a criança tem futuro, então queremos ajudar a criança, mas o idoso não tem. Eu digo sempre que ri melhor quem ri por último.
PROGREDIR: A Beatriz também tem trabalhado para a Fundação do Gil e para o Estabelecimento Prisional de Tires. Qual é a diferença destes trabalhos comparando com os hospitais?
Beatriz Quintella: Não é muito. Por acaso já não tenho trabalhado tanto com o Gil quanto eu gostaria, mas trabalho no Gil como trabalho com a criança hospitalizada. A prisioneira cometeu um crime no passado, mas no presente é uma pessoa e o futuro ninguém sabe. Então, tal como com a criança, não quero saber exatamente qual é a doença e o que a levou para dentro do hospital, e o futuro da criança também não interessa, eu vivo o presente. O palhaço vive o momento presente e, no momento presente, aquela mulher merece respeito, atenção, carinho, como as crianças. Nunca pergunto o que fizeram.
PROGREDIR: Que projetos já estão definidos para a Operação Nariz Vermelho agora em 2013?
Beatriz Quintella: Vamos para o Hospital de Santa Marta. São crianças cardíacas, que têm internamentos complexos.
PROGREDIR: Qual é a sugestão da Doutora Palhaça para começar bem um novo ano?
Beatriz Quintella: Exercício físico. Acho importante que quem estiver ocioso vá andar à beira-mar para limpar a cabeça. Menos computador, mais amor. E narizes vermelhos espalhados por Portugal, para quem precisa. Alegria e saúde, menos horas para os profissionais de saúde, também. Para Progredir? Um novo começo é todos os dias. Está a respirar, está de pé, está com saúde, então que as pessoas valorizem a saúde e partam para outra.